quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Nova tribo na ilha

                                                                                                  * Adriana Franciosi
Em meio às ruínas de um antigo presídio, em uma ilha do Guaíba marcada pela memória dos anos de chumbo, o grupo Ói Nóis Aqui Traveiz encontrou o cenário para seu novo espetáculo, Viúvas, Performance Sobre a Ausência – Trabalho em Andamento.

A partir de quinta-feira (20), eles convidam o público para embarcar em uma viagem a um povoado imaginário localizado em algum país da América Latina. A plateia será levada de barco à Ilha das Pedras Brancas, maisconhecida como Ilha do Presídio, onde a ação terá lugar.

O texto foi sugerido ao grupo pelo próprio autor, o escritor chileno (nascido na Argentina) Ariel Dorfman. Em uma visita a Porto Alegre, em 2001, durante o primeiro Fórum Social Mundial, ele os presenteou com um exemplar em espanhol da peça, escrita com o norte-americano Tony Kushner. Em 1997, o Ói Nóis já havia encenado uma outra peça de Dorfman, A Morte e a Donzela.

Baseada em um romance do próprio autor, publicado em 1981, Viúvas trata de um grupo de camponesas que vivem em um lugar comandado por militares e aguardam notícias sobre o paradeiro de seus pais, maridos e filhos – referência aos perseguidos políticos durante as ditaduras latino-americanas. À frente dessa resistência está Sofia (interpretada por Tânia Farias), que avista o corpo de um homem aparentemente sem rosto que aparece boiando no rio. Em meio às tentativas dos militares de manter o passado submerso, logo as demais moradoras do povoado também reivindicam seus entes desaparecidos.

É uma revolução protagonizada por mulheres, na sequência de heroínas levadas à cena em espetáculos anteriores do Ói Nóis, como Kassandra in Process (2002) e Antígona – Ritos de Paixão e Morte (1990).

– A obstinação de Sofia é um incômodo tanto para os militares quanto para as outras mulheres, que, em um primeiro momento, acreditam que o melhor que têm a fazer é ficar comportadas – afirma Tânia.

Para encenar o texto como queriam, os 24 integrantes do elenco também precisaram cometer uma loucura: tornar a desabitada Ilha do Presídio em um local apropriado para uma peça. O trabalho foi duro, a começar pelas liberações legais e pela retirada do lixo depositado lá.

Diferentemente de um espetáculo de teatro de rua (como O Amargo Santo da Purificação, de 2009, o trabalho anterior do grupo), que deve ser versátil por natureza, Viúvas foi preparado especialmente para a ilha. É o que o grupo chama de “teatro de vivência”: o público acompanhará as cenas percorrendo espaços impregnados de história, como as celas onde já estiveram confinados presos políticos durante a ditadura militar.

Tudo isso em um ambiente bucólico, com uma vista imperdível do horizonte do lago Guaíba, como comprovou a reportagem em visita ao local para conferir a preparação do espetáculo. Um dos fundadores do grupo, Paulo Flores observa:

– A memória é uma discussão extremamente atual no Brasil. Passados oito anos de um governo progressista, ainda não foram abertos os arquivos da ditadura. Oficialmente, temos 144 desaparecidos. Certamente, esse número é maior.

Serviço:

Viúvas, Performance sobre a Ausência – Trabalho em Andamento

Estreiaquinta-feira (20/01). Todos os dias, às 20h (exceto dias 28 e 29, às 20h30min). Temporada até 29 de janeiro.

Classificação: 16 anos.

Duração: 70 minutos (não incluindo o tempo de deslocamento até a ilha).

Local: Ilha das Pedras Brancas, com saída da Usina do Gasômetro (João Goulart, 551, fone 51 3289-8100), em Porto Alegre.

Ingressos: entrada franca, com retirada de senhas a partir das 19h no saguão da Usina do Gasômetro.

** Um ônibus disponibilizado pela produção do espetáculo sairá às 20h da Usina do Gasômetro para o Sava Clube, no bairro Vila Assunção, onde o público entrará em um barco para a Ilha das Pedras Brancas. O tempo estimado de viagem pelo Guaíba é de 25 minutos. Após a apresentação, o barco levará o público de volta ao Sava Clube, de onde sairá o ônibus para a Usina. Nos dias 28 e 29, a saída será da estação rodoviária da cidade de Guaíba (Avenida João Pessoa, 966, fone 51 3491-3821), às 20h30min – senhas na plataforma de embarque a partir das 19h30min. Informações: (51) 9999-4570. Se chover, não haverá espetáculo.

Zero Hora - 19/01/2011
Por Fábio Prikladnicki

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